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Corredor Oeste: vários coelhos de uma cajadada só

À medida que cruzamos a esquina do primeiro para o segundo semestre de 2023, é o momento oportuno para refletir sobre alguns traços do mercado imobiliário comercial em Portugal nos primeiros meses do ano e, particularmente, sobre alguns dos seus desafios.

Foto: © Gonçalo Madeira

Opinião de Francisco Caldeira, Capital Markets na WORX Real Estate Consultants

Neste primeiro semestre, a par de um crescimento acima das expectativas e a manutenção de uma taxa de desemprego em valores relativamente baixos, testemunhámos o apenas tímido abrandamento da inflação, que retrocedeu aos valores “mínimos” registados em Dezembro de 2021, fixando-se em 6,51% em Maio de 2023.

Não é assim estranho que na semana passada, durante o fórum do Banco Central Europeu que teve lugar em Sintra, a presidente Christine Lagarde tivesse afirmado enfaticamente que as taxas de juro elevadas (em comparação com o que nos habituaram os últimos anos) vieram para ficar e devem continuar a subir, mantendo-se em 4.00% até à próxima revisão (estimada em 25 pontos base). Esta situação, nada surpreendente, transparece que o compromisso simétrico que visa uma taxa de inflação de 2% a médio prazo continua a ser o principal objectivo do BCE.

No que diz respeito ao investimento imobiliário comercial, e apesar da evidente postura cautelosa dos investidores observada nos últimos meses, o primeiro semestre de 2023 revelou um desempenho sólido, com um crescimento, ainda em dados preliminares, de cerca de 686 milões de euros/13,4 % face ao período homólogo. Crescimento que, porém, poderá ser parcialmente justificado pela transação do portfólio no valor aproximado de 250 milhões de euros, que integrou seis hotéis D. Pedro e cinco campos de golfe.

Face aos dados, os fundamentais do primeiro semestre deverão permanecer até ao final do ano, taxas de juro altas incluídas, estas, por sua vez, empurrando as yields para valores superiores aos observados em boa parte de 2022 como podemos verificar no quadro de evolução das yields prime.

O ajuste observado nas taxas de rentabilidade tem sido refletido nas intenções de investimento, aumentando o risco de desfasamento entre as expectativas de preço de compradores e vendedores, o que deverá afetar o volume de transações e as negociações em todo o segundo semestre do ano.

Neste contexto, o caso particular do Corredor Oeste torna-se um verdadeiro desafio.

Segundo os últimos dados disponíveis, a taxa de desocupação na Grande Lisboa no primeiro trimestre de 2023 situou-se nos 406.900 m², refletindo uma taxa de 9,2% (214.800 m² no concelho de Lisboa – 4,86%). Se a Zona Histórica apresenta a taxa mais baixa do mercado, na ordem dos 2,2%, seguida pelo CBD, com 4,0%, o Corredor Oeste continua a ser a zona com maior disponibilidade – 19,2%  – o que justifica refletir sobre o aparente desinteresse que motiva e as eventuais estratégias que possam contrariar tal tendência.

Não é de agora que o Corredor Oeste apresenta os piores dados de ocupação entre as zonas de escritórios de Lisboa. O desafio é estrutural e tem anos. Contudo, o aumento das taxas de juro e a incerteza presente no mercado têm afastado os investidores menos core e o cenário não é animador.

Surpreendentemente, ou não, assiste-se nesta zona à comercialização de alguns edifícios de escritórios a preços por metro quadrado inferiores aos preços (inflacionados) de construção. Curiosamente, mesmo sendo este o cenário, a zona continua a não despertar interesse, nem mesmo nos investidores mais oportunísticos.

Diante deste cenário de desocupação, do aumento dos custos de construção e da exigência dos investidores em mais altas taxas de rentabilidade, seria de equacionar a oportunidade de transformar os activos devolutos no Corredor Oeste em activos com maior e/ou crescente procura, muitos deles de sectores alternativos, nomeadamente do sector de Healthcare e Living, onde continua a ser patente a escassez de oferta.

Considerando a crescente procura por residências sénior e instalações de cuidados de saúde, e até por novas formas de residencial como o co-living, a conversão de escritórios devolutos para usos alternativos pode vir a ser uma solução atrativa. Para além de mitigar a referida escassez da oferta, permitiria resolver, em muitos casos, o problema da falta de ocupação, com retornos mais interessantes que os de sectores tradicionais, especialmente em projectos de brownfield. Com os activos a serem vendidos abaixo dos valores de construção, o custo da inflação é parcialmente absorvido ajudando à viabilização e rentabilidade do projecto.

Em paralelo, a conversão de alguns destes activos para o uso habitacional não só os tornaria igualmente mais viáveis e rentáveis, como igualmente contribuiria para aligeirar a pressão da procura sobre a oferta residencial nesta área metropolitana de Lisboa.

O repto para os concelhos da zona, com destaque para o de Oeiras, está lançado. O cajado que poderá contribuir proactivamente para o dinamismo e desenvolvimento do Corredor Oeste está em boa parte nas suas mãos, desde logo deliberando atempadamente sobre as potenciais mudanças de uso.

Utilização para usos alternativos face à inflação, a taxas de juro altas, ao incremento das yields e ao desinteresse comercial: quem sabe, vários coelhos de uma cajadada só.

DR Foto: kate.sade na Unsplash